quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Fichamento "O Estado de Exceção" de Giordio Agamben

O Estado de Exceção

• Falta uma teoria sobre o estado de exceção no direito público;
• Trata-se de um ponto de desequilíbrio entre o direito público e o direito privado;
• Fatores elencados para se decretar esse estado: períodos de crise política; guerras; insurreições e resistências. Em resumo, o oposto do estado normal;
• As medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal (...) terra de ninguém entre o direito público e o fato político e entre a ordem jurídica e a vida;
• O estado de exceção não é um direito especial, mas a suspensão da própria ordem jurídica. Ou seja, o direito inclui em si o estado de exceção, por meio de sua própria suspensão;
• Uma das características essências do estado de exceção é a abolição provisória da distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário. Contudo embora o direito desapareça, o Estado continua a existir;
• Denominações: latim, estado de necessidade, status necessitatis (toda lei é ordenada a salvação comum dos homens, e só por isso tem força e razão de lei; à medida que, ao contrário, faltar a isso, perderá sua força de obrigação {dispensatio}, mais detalhes página 41); doutrina alemã – estado de necessidade; doutrina italiana e francesa – decretos de urgência e de estado de sítio; doutrina anglo-saxônica – martial Law e mergency powers;
• A expressão “plenos poderes” define uma das possíveis modalidades de ação do poder executivo durante o estado de sítio, a atribuição desse promulgar decretos com força-de-lei. A idéia deriva do direito canônico de plenitudo potestatis,
• Mesmo durante as Grandes Guerras, países que não possuíam um governo totalitário, os que se diziam democráticos, usaram a “ampliação dos poderes” para se “proteger”, mesmo os neutro, como a Suíça, decretaram medidas autoritárias contra indivíduos que tentassem perturbar sua posição de neutralidade;
• Benjamim escreve que embora um uso provisório e controlado dos plenos poderes seja teoricamente compatível com as constituições democráticas, “um exercício sistemático e regular do instituto leva necessariamente à liquidação da democracia”;
• A doutrina se divide entre os que percebem o estado de exceção como parte do ordenamento jurídico e os que o percebem como fenômeno político, extra-jurídico. Contudo, se o que é próprio do estado de exceção é a suspensão (total ou parcial) do ordenamento jurídico, como poderá essa suspensão ser ainda compreendida na ordem legal? Ou, se, ao contrário, o estado de exceção é apenas uma situação de fato, e enquanto tal, estranha ou contraditória a lei; como é possível o ordenamento jurídico ter uma lacuna justamente quanto a uma situação crucial? Na verdade a exceção não é nem exterior nem interior ao ordenamento jurídico e o problema de sua definição diz respeito a um patamar, ou a uma zona de indiferença, em que dentro e fora não se excluem mas se indeterminam;
• A necessidade critério absoluto do estado de exceção, ou seja da suspensão do ordenamento, é concebida por alguns, como Santi Romano, como fonte primária, originária da lei, pois “se não há lei, a necessidade faz a lei” Contudo não só a necessidade se reduz em última instância, a uma decisão, como também, aquilo sobre o que ela decide é, na verdade, algo indecidível de fato e de direito;
• Em analogia ao princípio de que a lei pode ter lacunas, mas o direito não as admite, o estado de necessidade é então interpretado como uma lacuna no direito público, a qual o poder executivo é obrigado a remediar. Um princípio que diz respeito ao poder judiciário estende-se, assim, ao poder executivo

Definição de Totalitarismo Moderno

• Instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político;
• Desde então a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essências dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos;
• Ameaça à constitucionalidade: O deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição;
• O estado de exceção nessa perspectiva gera uma profunda indeterminação entre democracia e absolutismo;
• Rossiter: em tempos de crise, o governo constitucional deve ser alterado por meio de qualquer medida necessária para neutralizar o perigo e restaurar a situação normal. Essa alteração implica, inevitavelmente, um governo mais forte, ou seja, o governo terá mais poder e os cidadãos menos direitos. Rossiter elenca 11 critérios para distinguir a ditadura constitucional da inconstitucional, mas não deixa claro como se dá a passagem de uma para a outra. Além disso, os dois critérios fundamentais – absoluta necessidade e temporalidade – como o próprio autor sabia, não eram mais respeitados “na era atômica em que o mundo agora entra, é provável que o uso dos poderes de emergência constitucionais se torne regra e não exceção” ou “os instrumentos de governo descritos aqui como dispositivos temporários de crise tornaram-se em alguns países, e podem tornar-se em todos, instrumentos duradouros mesmo em tempos de paz”. Contudo, concluiu que “nenhum sacrifício pela nossa democracia é demasiadamente grande, menos ainda o sacrifício temporário da própria democracia;

Força-de-Lei

• O termo força-de-lei possui origem na tradição romana e medieval, tendo sentido geral de eficácia, de capacidade de obrigar. Mas é apenas na época moderna que ele começa a indicar o valor supremo dos atos expressos pelas assembléias representativas do povo;
• Entretanto, é determinante que, em sentido técnico, o termo força-de-lei se refira, tanto na doutrina moderna quanto na antiga, não é a lei, mas àqueles decretos – que têm justamente, como se diz, força-de-lei – que o poder executivo pode, em alguns casos – particularmente, no estado de exceção – promulgar. O conceito de “força-de-lei”, enquanto termo técnico do direito, define, pois, uma separação entre a vis obligandi ou a aplicabilidade da norma em sua essência formal, pela qual decretos, disposições e medidas, que não são formalmente leis, adquirem, entretanto, sua “força”;
• Por meio da força-de-lei, tenta-se inscrever no direito algo exterior a ele e que visa, paradoxalmente, suspende-lo;
• O estado de exceção separa, pois a norma de sua aplicação para tornar possível a aplicação. Introduz no direito uma zona de anomia para tornar possível a normatização efetiva do real;
• No estado de exceção, defini-se um estado de lei, no qual a norma que está vigor, mas não se aplica (carece da força) e simultaneamente um estado em que atos, que não têm valor de lei adquirem sua força;
Assim, o estado de exceção é um estado anômico onde o que está em jogo é uma força-de-lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita força-de-lei {lei aqui riscado com um X});
• Tal força de lei em que potencia e ato estão separados de modo radical, é certamente algo como um elemento místico, ou melhor, uma fictio por meio da qual o direito busca se atribuir sua própria anomia;
• O estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que a pura força-da-lei realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e a conseqüente constituição do âmbito da norma, é operada sob a forma da exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real;

Breve História do Estado de Exceção de Roma até USA

Roma

• Iustitium – interrupção, suspensão do direito. Todas as prescrições jurídicas são postas de lado. Nenhum cidadão romano, seja ele magistrado ou um simples particular, agora tem poderes ou deveres;
• Tumultus – tem afinidade com tumor, que significa inchaço, fermentação;
• Nissen: a única definição possível que permite compreender todos os casos atestados é a que vê no tumultus “a cesura através da qual, do ponto de vista do direito público, se realiza a possibilidade de medidas excepecionais”;
• Na perspectiva do estado de necessidade, Nissen pode então, interpor o senatus consultum ultimum,a declaração de tumultus e o iustitium como sistematicamente ligados. O consultum pressupõe o tumultus e o tumultus é a única causa do iustitium. Essas categorias não pertencem à esfera do direito penal, mas à do direito constitucional e designam “a cesura por meio da qual se decide constitucionalmente o caráter admissível de medidas excepcionais;

França

• A origem do estado de sítio data do decreto de 8 de julho de 1791 da Assembléia Constituinte Francesa. Criando assim o état de paix, autoridade militar e civil agem cada uma em sua respectiva esfera, état de guerre, a autoridade civil deve agir em consonância com a militar e o état de siége, todas as funções de que a autoridade civil é investida para a manutenção da ordem e da política passam para o comando militar, que as exerce sob sua exclusiva responsabilidade;
• O estado de exceção moderno é uma criação da tradição democrático-revolucionária e não da tradição absolutista;
• Já a idéia de suspensão da Constituição é introduzida pela primeira vez na Constituição da 22 frimário do ano VIII
• Com o tempo, tanto o estado de sítio, quanto a suspensão da Constituição, convergem para um único fenômeno jurídico que chamamos de estado de exceção;
• Na França, antes da grande guerra na França, o estado de exceção não estava previsto na Constituição, mas sim em lei, contudo os franceses recorriam à legislação por de decretos e a idéia de etát de siége para sua aplicação;

Alemanha

• O estado de exceção desempenhou um papel certamente determinante na Alemanha. A República de Weimar, em sua a Constituição estabelecia no Art. 48 poderes para o presidente do Reich nas situações em que a segurança pública e a ordem estivessem ameaçadas (mais detalhes página 28). Infelizmente, esse artigo previa a suspensão dos direitos fundamentais nessas situações, e, como o legislativo nunca regulou os limites do presidente nesse estado, conforme prometeram no texto legal fazer, esse artigo legalizou de forma muito simples o golpe de estado;
• Hitler promulgou, no dia 28 de fevereiro, o Decreto para a proteção do Povo e do Estado, que suspendia os artigos da Constituição de Weimer relativos às liberdades individuais. O decreto nunca foi revogado, de modo que to o Terceiro Reich pode ser considerado, do ponto de vista jurídico, como um estado de exceção que durou 12 anos;
• Scmitt faz uma distinção entre “ditadura comissária” e “ditadura soberana”, distinção que se apresenta como oposição a idéia de Friedrich de “ditadura constitucional”, que se propõe a salvaguardar a ordem constitucional, e a “ditadura inconstitucional”, que leva à derrubada da ordem constitucional. Na Alemanha mão é possível definir com clareza exata a transição da primeira à segunda forma de ditadura;
• Sabe-se que os últimos anos da República de Weimar transcorreram inteiramente em regime de estado de exceção; menos evidente é a constatação de que, provavelmente Hitler não teria podido tomar o poder se o país não estivesse há quase três anos em regime de ditadura presidencial e se o Parlamente estivesse funcionando. (...) O fim da república de Weimar mostra que uma “democracia protegida” não é uma democracia e que o paradigma da ditadura constitucional funciona sobretudo como uma fase de transição que leva fatalmente à instauração de um regime totalitário,
• Embora a Constituição Alemã de 68 não mencionasse o estado de exceção, o mesmo foi reintroduzido como “estado de necessidade interna”, porém não com o intuito de salvaguardar a segurança da ordem pública, mas para a defesa da “constituição liberal-democrata”. A democracia protegida tornava-se, agora, regra.

Itália
• Na Itália, o estado de exceção não era previsto explicitamente;

Inglaterra

• O único dispositivo jurídico que, na Inglaterra, poderia ser comparado com o état de siége francês é conhecido pelo nome de martial Law. Trata-se Porém de um conceito vago, um termo infeliz para justificar por meio da common Law, os atos realizados por necessidade com o objetivo de defender a commonwealth em caso de guerra;
• Após a 1ª Guerra, o parlamente aprovou uma série de medidas de emergência, dentre elas a Defence of Realm Act (4 de agosto de 1914) ou o Emmergency Power Act (29 de outubro de 1920, que tinha um caráter muito mais econômico, devido as tenções sociais existentes na época). Mais detalhes, páginas 33 e 34.

USA

• 13 de novembro de 2001, o presidente dos USA promulga a indefinite detention e o processo perante as military commissions, aplicados aos não cidadãos suspeitos de envolvimento em atividade terrorista;
• 26 de outubro de 2001, o Senado dos USA promulga o USA Patriot Act, que permite aos Attorney general manter preso o estrangeiro (alien) suspeito de atividades que ponham em perigo “a segurança nacional dos Estados Unidos”, sendo que em 7 dias ou o estrangeiro deve ser expulso ou acusado de violação da lei sobre a imigração ou qualquer outro delito;
• A novidade da “ordem” do presidente Bush está em anular radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo;
• Os talibãs capturados no Afegão, além de não gozarem do estatuto do prisioneiro de guerra de acordo com a convenção de Genebra, tampouco gozam daquele de acusado segundo as leis norte-americanas. Nem prisioneiros, nem acusados, apenas detainees, são objeto de uma pura dominação de fato, de uma detenção indeterminada, não só no sentido temporal, mas também, quanto à sua prórpia natureza, por que totalmente fora da lei e do controle jurídico. Medida que só se compara com a situação dos judeus como Lager nazistas: juntamente com a cidadania, haviam perdido toda identidade jurídica, mas conservavam pelo menos a identidade de judeus;
• Mais detalhes, página 34, 35 e 38;

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