quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Ação Civil Pública

A Constituição Federal em seu Art. 129, III, bem como o Art. 5º, I, da Lei Federal nº 7347/85, dão ao Ministério Público a função de promover o inquérito civil e a ação civil pública. A ação civil pública é uma ação que visa promover o controle da população, por meio do Ministério Público, constitucionalmente responsável pela defesa dos interesses sociais (Art. 127, CF), de atos dos poderes públicos. Como estabelece o Art. 6º da Lei nº 7347/85, qualquer pessoa pode provocar o Ministério Público para que esse proponha uma ação civil pública ao fazer com que esse adquira ciência de atos de improbidade administrativa que lesionam interesses supra-individuais (interesse difuso, coletivo ou individual tratado coletivamente).
Esses interesses transindividuais estão previstos no Art. 1º da, já citada, Lei nº 7347/85. Contudo, a Constituição Federal ao prever, em seu Art. 129, que cabe ao Ministério Público promover inquérito policia e ação civil pública para “proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” abrange todas as hipóteses de interesse geral, mesmo aqueles que não foram previsto no Art. 1º da Lei 7347/85, eliminando assim qualquer incompletude dessa quando define quais são os interesses difusos e coletivos.
No que tange as sanções, além do Art. 37, §4º da Constituição Federal, aplica-se o previsto pela Lei Federal 8429/92, ironicamente assinada pelo então Presidente Fernando Collor.
Como escreve Alexandre de Moraes ação civil pública “constitui nada mais do que uma mera denominação das ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses metaindivivuais”. (MORAES, DIREITO CONSTITUCIONAL, PÁG. 338) .

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Fichamento "O Estado de Exceção" de Giordio Agamben

O Estado de Exceção

• Falta uma teoria sobre o estado de exceção no direito público;
• Trata-se de um ponto de desequilíbrio entre o direito público e o direito privado;
• Fatores elencados para se decretar esse estado: períodos de crise política; guerras; insurreições e resistências. Em resumo, o oposto do estado normal;
• As medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal (...) terra de ninguém entre o direito público e o fato político e entre a ordem jurídica e a vida;
• O estado de exceção não é um direito especial, mas a suspensão da própria ordem jurídica. Ou seja, o direito inclui em si o estado de exceção, por meio de sua própria suspensão;
• Uma das características essências do estado de exceção é a abolição provisória da distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário. Contudo embora o direito desapareça, o Estado continua a existir;
• Denominações: latim, estado de necessidade, status necessitatis (toda lei é ordenada a salvação comum dos homens, e só por isso tem força e razão de lei; à medida que, ao contrário, faltar a isso, perderá sua força de obrigação {dispensatio}, mais detalhes página 41); doutrina alemã – estado de necessidade; doutrina italiana e francesa – decretos de urgência e de estado de sítio; doutrina anglo-saxônica – martial Law e mergency powers;
• A expressão “plenos poderes” define uma das possíveis modalidades de ação do poder executivo durante o estado de sítio, a atribuição desse promulgar decretos com força-de-lei. A idéia deriva do direito canônico de plenitudo potestatis,
• Mesmo durante as Grandes Guerras, países que não possuíam um governo totalitário, os que se diziam democráticos, usaram a “ampliação dos poderes” para se “proteger”, mesmo os neutro, como a Suíça, decretaram medidas autoritárias contra indivíduos que tentassem perturbar sua posição de neutralidade;
• Benjamim escreve que embora um uso provisório e controlado dos plenos poderes seja teoricamente compatível com as constituições democráticas, “um exercício sistemático e regular do instituto leva necessariamente à liquidação da democracia”;
• A doutrina se divide entre os que percebem o estado de exceção como parte do ordenamento jurídico e os que o percebem como fenômeno político, extra-jurídico. Contudo, se o que é próprio do estado de exceção é a suspensão (total ou parcial) do ordenamento jurídico, como poderá essa suspensão ser ainda compreendida na ordem legal? Ou, se, ao contrário, o estado de exceção é apenas uma situação de fato, e enquanto tal, estranha ou contraditória a lei; como é possível o ordenamento jurídico ter uma lacuna justamente quanto a uma situação crucial? Na verdade a exceção não é nem exterior nem interior ao ordenamento jurídico e o problema de sua definição diz respeito a um patamar, ou a uma zona de indiferença, em que dentro e fora não se excluem mas se indeterminam;
• A necessidade critério absoluto do estado de exceção, ou seja da suspensão do ordenamento, é concebida por alguns, como Santi Romano, como fonte primária, originária da lei, pois “se não há lei, a necessidade faz a lei” Contudo não só a necessidade se reduz em última instância, a uma decisão, como também, aquilo sobre o que ela decide é, na verdade, algo indecidível de fato e de direito;
• Em analogia ao princípio de que a lei pode ter lacunas, mas o direito não as admite, o estado de necessidade é então interpretado como uma lacuna no direito público, a qual o poder executivo é obrigado a remediar. Um princípio que diz respeito ao poder judiciário estende-se, assim, ao poder executivo

Definição de Totalitarismo Moderno

• Instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político;
• Desde então a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essências dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos;
• Ameaça à constitucionalidade: O deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição;
• O estado de exceção nessa perspectiva gera uma profunda indeterminação entre democracia e absolutismo;
• Rossiter: em tempos de crise, o governo constitucional deve ser alterado por meio de qualquer medida necessária para neutralizar o perigo e restaurar a situação normal. Essa alteração implica, inevitavelmente, um governo mais forte, ou seja, o governo terá mais poder e os cidadãos menos direitos. Rossiter elenca 11 critérios para distinguir a ditadura constitucional da inconstitucional, mas não deixa claro como se dá a passagem de uma para a outra. Além disso, os dois critérios fundamentais – absoluta necessidade e temporalidade – como o próprio autor sabia, não eram mais respeitados “na era atômica em que o mundo agora entra, é provável que o uso dos poderes de emergência constitucionais se torne regra e não exceção” ou “os instrumentos de governo descritos aqui como dispositivos temporários de crise tornaram-se em alguns países, e podem tornar-se em todos, instrumentos duradouros mesmo em tempos de paz”. Contudo, concluiu que “nenhum sacrifício pela nossa democracia é demasiadamente grande, menos ainda o sacrifício temporário da própria democracia;

Força-de-Lei

• O termo força-de-lei possui origem na tradição romana e medieval, tendo sentido geral de eficácia, de capacidade de obrigar. Mas é apenas na época moderna que ele começa a indicar o valor supremo dos atos expressos pelas assembléias representativas do povo;
• Entretanto, é determinante que, em sentido técnico, o termo força-de-lei se refira, tanto na doutrina moderna quanto na antiga, não é a lei, mas àqueles decretos – que têm justamente, como se diz, força-de-lei – que o poder executivo pode, em alguns casos – particularmente, no estado de exceção – promulgar. O conceito de “força-de-lei”, enquanto termo técnico do direito, define, pois, uma separação entre a vis obligandi ou a aplicabilidade da norma em sua essência formal, pela qual decretos, disposições e medidas, que não são formalmente leis, adquirem, entretanto, sua “força”;
• Por meio da força-de-lei, tenta-se inscrever no direito algo exterior a ele e que visa, paradoxalmente, suspende-lo;
• O estado de exceção separa, pois a norma de sua aplicação para tornar possível a aplicação. Introduz no direito uma zona de anomia para tornar possível a normatização efetiva do real;
• No estado de exceção, defini-se um estado de lei, no qual a norma que está vigor, mas não se aplica (carece da força) e simultaneamente um estado em que atos, que não têm valor de lei adquirem sua força;
Assim, o estado de exceção é um estado anômico onde o que está em jogo é uma força-de-lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita força-de-lei {lei aqui riscado com um X});
• Tal força de lei em que potencia e ato estão separados de modo radical, é certamente algo como um elemento místico, ou melhor, uma fictio por meio da qual o direito busca se atribuir sua própria anomia;
• O estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que a pura força-da-lei realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e a conseqüente constituição do âmbito da norma, é operada sob a forma da exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real;

Breve História do Estado de Exceção de Roma até USA

Roma

• Iustitium – interrupção, suspensão do direito. Todas as prescrições jurídicas são postas de lado. Nenhum cidadão romano, seja ele magistrado ou um simples particular, agora tem poderes ou deveres;
• Tumultus – tem afinidade com tumor, que significa inchaço, fermentação;
• Nissen: a única definição possível que permite compreender todos os casos atestados é a que vê no tumultus “a cesura através da qual, do ponto de vista do direito público, se realiza a possibilidade de medidas excepecionais”;
• Na perspectiva do estado de necessidade, Nissen pode então, interpor o senatus consultum ultimum,a declaração de tumultus e o iustitium como sistematicamente ligados. O consultum pressupõe o tumultus e o tumultus é a única causa do iustitium. Essas categorias não pertencem à esfera do direito penal, mas à do direito constitucional e designam “a cesura por meio da qual se decide constitucionalmente o caráter admissível de medidas excepcionais;

França

• A origem do estado de sítio data do decreto de 8 de julho de 1791 da Assembléia Constituinte Francesa. Criando assim o état de paix, autoridade militar e civil agem cada uma em sua respectiva esfera, état de guerre, a autoridade civil deve agir em consonância com a militar e o état de siége, todas as funções de que a autoridade civil é investida para a manutenção da ordem e da política passam para o comando militar, que as exerce sob sua exclusiva responsabilidade;
• O estado de exceção moderno é uma criação da tradição democrático-revolucionária e não da tradição absolutista;
• Já a idéia de suspensão da Constituição é introduzida pela primeira vez na Constituição da 22 frimário do ano VIII
• Com o tempo, tanto o estado de sítio, quanto a suspensão da Constituição, convergem para um único fenômeno jurídico que chamamos de estado de exceção;
• Na França, antes da grande guerra na França, o estado de exceção não estava previsto na Constituição, mas sim em lei, contudo os franceses recorriam à legislação por de decretos e a idéia de etát de siége para sua aplicação;

Alemanha

• O estado de exceção desempenhou um papel certamente determinante na Alemanha. A República de Weimar, em sua a Constituição estabelecia no Art. 48 poderes para o presidente do Reich nas situações em que a segurança pública e a ordem estivessem ameaçadas (mais detalhes página 28). Infelizmente, esse artigo previa a suspensão dos direitos fundamentais nessas situações, e, como o legislativo nunca regulou os limites do presidente nesse estado, conforme prometeram no texto legal fazer, esse artigo legalizou de forma muito simples o golpe de estado;
• Hitler promulgou, no dia 28 de fevereiro, o Decreto para a proteção do Povo e do Estado, que suspendia os artigos da Constituição de Weimer relativos às liberdades individuais. O decreto nunca foi revogado, de modo que to o Terceiro Reich pode ser considerado, do ponto de vista jurídico, como um estado de exceção que durou 12 anos;
• Scmitt faz uma distinção entre “ditadura comissária” e “ditadura soberana”, distinção que se apresenta como oposição a idéia de Friedrich de “ditadura constitucional”, que se propõe a salvaguardar a ordem constitucional, e a “ditadura inconstitucional”, que leva à derrubada da ordem constitucional. Na Alemanha mão é possível definir com clareza exata a transição da primeira à segunda forma de ditadura;
• Sabe-se que os últimos anos da República de Weimar transcorreram inteiramente em regime de estado de exceção; menos evidente é a constatação de que, provavelmente Hitler não teria podido tomar o poder se o país não estivesse há quase três anos em regime de ditadura presidencial e se o Parlamente estivesse funcionando. (...) O fim da república de Weimar mostra que uma “democracia protegida” não é uma democracia e que o paradigma da ditadura constitucional funciona sobretudo como uma fase de transição que leva fatalmente à instauração de um regime totalitário,
• Embora a Constituição Alemã de 68 não mencionasse o estado de exceção, o mesmo foi reintroduzido como “estado de necessidade interna”, porém não com o intuito de salvaguardar a segurança da ordem pública, mas para a defesa da “constituição liberal-democrata”. A democracia protegida tornava-se, agora, regra.

Itália
• Na Itália, o estado de exceção não era previsto explicitamente;

Inglaterra

• O único dispositivo jurídico que, na Inglaterra, poderia ser comparado com o état de siége francês é conhecido pelo nome de martial Law. Trata-se Porém de um conceito vago, um termo infeliz para justificar por meio da common Law, os atos realizados por necessidade com o objetivo de defender a commonwealth em caso de guerra;
• Após a 1ª Guerra, o parlamente aprovou uma série de medidas de emergência, dentre elas a Defence of Realm Act (4 de agosto de 1914) ou o Emmergency Power Act (29 de outubro de 1920, que tinha um caráter muito mais econômico, devido as tenções sociais existentes na época). Mais detalhes, páginas 33 e 34.

USA

• 13 de novembro de 2001, o presidente dos USA promulga a indefinite detention e o processo perante as military commissions, aplicados aos não cidadãos suspeitos de envolvimento em atividade terrorista;
• 26 de outubro de 2001, o Senado dos USA promulga o USA Patriot Act, que permite aos Attorney general manter preso o estrangeiro (alien) suspeito de atividades que ponham em perigo “a segurança nacional dos Estados Unidos”, sendo que em 7 dias ou o estrangeiro deve ser expulso ou acusado de violação da lei sobre a imigração ou qualquer outro delito;
• A novidade da “ordem” do presidente Bush está em anular radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo;
• Os talibãs capturados no Afegão, além de não gozarem do estatuto do prisioneiro de guerra de acordo com a convenção de Genebra, tampouco gozam daquele de acusado segundo as leis norte-americanas. Nem prisioneiros, nem acusados, apenas detainees, são objeto de uma pura dominação de fato, de uma detenção indeterminada, não só no sentido temporal, mas também, quanto à sua prórpia natureza, por que totalmente fora da lei e do controle jurídico. Medida que só se compara com a situação dos judeus como Lager nazistas: juntamente com a cidadania, haviam perdido toda identidade jurídica, mas conservavam pelo menos a identidade de judeus;
• Mais detalhes, página 34, 35 e 38;